v. 3 (2021): CADERNO DE DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
PREFÁCIO
A edição 2021 do Caderno de Direito da Criança e do Adolescente apresenta o trabalho de pesquisa que o Grupo de Estudos de Infância da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo desenvolveu ao longo de 2020. Foi um período de muita reflexão para nosso grupo. Mantivemos os estudos à distância, por meio de encontros periódicos on line, e pudemos, assim, dar continuidade à nossa rotina de pesquisa.
Durante o ano de 2020, dialogamos muito sobre a condição humana em face dos riscos e ameaças trazidos pela pandemia da Covid-19. Estávamos em um contexto de muitas incertezas, no qual a palavra de ordem em sociedade era “sobreviver”.
“Sobreviver” se transformou em um vocábulo com múltiplos significados. Precisávamos, inicialmente, zelar pela saúde do corpo físico, não apenas individualmente, mas no coletivo, pois nossas existências estavam em risco em face da ameaça do contágio. Nesse cenário de devastação, a vida de todos que amávamos poderia ser sucumbida subitamente por um organismo invisível aos olhos humanos denominado SARS-CoV-2.
Todavia, não era apenas a saúde física que estava em jogo naquele momento, mas, também, a saúde mental, abalada pela angústia em face das incertezas, transpassada pela condição do isolamento social que exigia resiliência e determinação para reinventarmos nossa rotina a cada desafio. Assim, precisávamos sobreviver em uma condição de muita tensão.
No contexto pandêmico, muitas famílias perderam entes queridos, restando o vazio da ausência. O índice de desemprego e diminuição da renda atingiram patamares assustadores, retirando, inclusive, a segurança alimentar de crianças e adolescentes. Se, mesmo antes da pandemia, a condição social já demonstrava índices de vulnerabilidade preocupantes no Brasil, agora passa a se aprofundar em direção a mais retrocessos.
Como consequência dessa conjuntura, os direitos infantojuvenis foram atingidos de forma ainda mais grave. Na área do direito fundamental à educação, o fechamento das escolas, aliado ao fato de parcelas significativas de famílias brasileiras não possuírem acesso adequado à internet, levou muitos meninos e meninas a se distanciarem dos estudos. Além disso, aqueles que dependiam da escola para terem acesso a refeições mais balanceadas e nutritivas, ficaram à mercê de uma condição de mais carência.
O isolamento social obrigou famílias a ficarem confinadas em habitações precárias, com um número excessivo de pessoas por cômodo, situação que potencializou a exposição de crianças e adolescentes ao aumento da violência doméstica.
Dessa forma, serão necessários esforços muito significativos para, pelo menos, retornarmos aos índices de desenvolvimento anteriores à crise sanitária, o que dificultará avanços no campo da inclusão social por décadas a fio.
Diante desses desafios, a edição do Caderno de Direito da Criança e do Adolescente deste ano nos convida a fazer uma reflexão sobre a realidade infantojuvenil no cenário pandêmico, a fim de incentivarmos ideias para a superação dos retrocessos sociais. Somente enxergando a realidade com transparência, teremos condições de estabelecer medidas mais efetivas para combater os efeitos da Covid-19 no cotidiano das meninas e meninos brasileiros.
A edição deste Caderno contempla o artigo A infância em tempos de crise: as diversas faces da pandemia Covid-19 e da desigualdade social no Brasil, desenvolvido pela aluna Ariane Longo de Menezes, que apresenta uma análise de como os direitos fundamentais dos jovens são negligenciados em períodos de crise, utilizando-se da pandemia da COVID-19 como referência atual. A pesquisa Sistema socioeducativo durante a pandemia à luz do princípio da dignidade humana, de Mayara Silva Deslandes, aborda como o sistema de repressão contribuiu para o agravamento da condição de saúde dos adolescentes e, inclusive, dos funcionários que convivem nas unidades de internação. Já o texto de Laura Franco Berti Silva, denominado Inclusão de crianças e adolescentes com deficiência no sistema educativo durante a pandemia demonstra que o ensino formal falhou em apresentar possibilidades para incluir a participação da pessoa com deficiência nas atividades educativas promovidas à distância. Assim, se a condição dessas pessoas já era precária no ambiente escolar presencial, agravou-se no contexto do ensino remoto.
Integra o grupo de estudos a aluna Leila Vertamatti, a qual possui Pós-Graduação na área de música e uma sensibilidade singular para compreender o universo infantojuvenil. Leila nos brindou com um artigo denominado Pela equidade de oportunidades: a experiência musical com crianças e adolescentes sob a lente do Direito. Nesta pesquisa, a autora demonstra que o acesso à música deve ser compreendido como um direito fundamental, na medida em que imprime ao ser humano, desde a tenra idade, maior capacidade de sensibilidade e humanização.
A cada ano, nosso grupo de estudos se fortalece e passamos, então, a contar com a participação de monitores, antigos alunos da Faculdade que fizeram parte da trajetória das pesquisas do grupo e, para nossa imensa alegria e honra, continuaram com a vontade de permanecer atuando na área do Direito da Criança e do Adolescente. Os monitores também desenvolveram trabalhos para esta edição dos Cadernos. Assim, a monitora Bárbara Fraga Maresch nos ofertou sua monografia A criminalização da pobreza e a herança menorista da institucionalização, fruto da pesquisa que realizou na Especialização em Direito da Criança e do Adolescente pela Fundação Escola Superior do Ministério Público. Também a monitora Emily de Paula Montanholi nos presenteou com o artigo Da inferioridade à doutrina de proteção integral: a construção dos direitos infanto-juvenis no Brasil, elaborado a partir da monografia que desenvolveu para se graduar na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.
Neste ano, realizamos o 6º Encontro sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da FDSBC, em parceria com o instituto Alana. O tema geral do Encontro abordou Os impactos da Covid-19 nas múltiplas infâncias e juventudes. Recebemos palestrantes para debater as consequências da Covid-19 em adolescentes que cumprem medida socioeducativa, a educação de crianças e adolescentes com recorte de gênero e raça, além dos caminhos da educação inclusiva em debate no Supremo Tribunal Federal.
O Encontro também contou com uma roda de conversa com a participação de uma Conselheira Tutelar, uma psicomotricista e uma pedagoga da área da inclusão, as quais trouxeram relatos de suas vivências no atendimento de crianças e adolescentes na pandemia. O link para acesso à gravação do 6º Encontro também está disponível no Caderno de 2021.
Vale ressaltar que o contexto pandêmico afetou nosso modo de pensar e de agir. Estamos vivenciando transformações profundas em nossa rotina e aprendendo a lidar com seus efeitos. É muito instigante e controvertido pensar como um vírus, tão pequeno e invisível a olho nu foi capaz de abalar o ser humano em sua soberba. Que este vírus, então, seja capaz de nos ensinar a buscar amor e alegria nas coisas mais simples, assim como a valorizar o que é essencial para uma convivência harmônica em sociedade, capaz de colocar a dignidade como foco central de seu desenvolvimento.
Boa leitura!
Profa. Denise Auad
Professora Titular da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, coordenadora do Grupo de Estudos Cidadania plena da criança e do adolescente - estudos sobre violência